Programa AQUANOSTRA

quarta-feira, 15 de julho de 2009

A construção do custo da água

O custo da água é uma questão simples de que todos tomamos conhecimento várias vezes ao longo do ano, provavelmente 12, quando a factura é mensal e a recebemos oriunda da Entidade Gestora que nos presta o serviço de abastecimento de água, com o custo deste e dos restantes serviços que nos são prestados, normalmente o saneamento, directamente relacionado com o da água e o de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos, que apesar de não ter relação directa, tem vindo a ser relacionado por comodidade com aqueles.
Uma conta muito simples permite-nos ajuízar qual o custo da água: dividir o valor da factura pelo n.º de metros cúbicos consumidos. Independentemente do tipo de tarifário, obtemos assim um valor médio que nos permite valorar o custo médio da água que a nossa Entidade Gestora nos fornece.
Não é objectivo deste texto apresentar os custos de água em Portugal, porque há duas Entidades que analisam essa questão e que anualmente publicam relatórios bastante exaustivos sobre a temática e que todos podemos consultar, a APDA – Associação Portuguesa Distribuidores de Água e o IRAR – Instituo Regulador de Águas e Resíduos. Também não falaremos dos últimos desenvolvimentos legislativos com que o Governo pretende “harmonizar” os preços e combater alegadas distorções dos preços praticados, como se houvesse necessidade de legislação nova para resolver essa questão, quando o que falta neste País é aplicar legislação existente e acima de tudo “bom senso”.
Desta vez vamos abordar como se “constrói” o preço da água.
Como em qualquer actividade, para não chamar negócio da água, o que pode não ser adequado para um sector da sociedade, face à componente social da mesma, (embora essa só possa ser assim classificada na parte essencial à vida e aos cuidados básicos que garantam uma qualidade de vida salutar), há quem preste um serviço, forneça água, com um custo a ressarcir e com uma margem, para garantir uma retribuição justa ao esforço dispendido.
A análise da actividade, como qualquer outra começa por estimar:
- Os volumes a facturar
- Os custos operacionais
- O investimento necessário
- A rentabilidade pretendida
- As condições de financiamento.
Daí resultará:
- Política tarifária
- Necessidades de estruturação/calendarização do investimento
- Geração de cash-flow.
Finalmente o financiamento e a política tarifária prevista resultarão de iteracções nas relações daquelas equações, variando como é óbvio na sua razão inversa.
O Problema de qualquer actividade é sempre o mesmo, no início é necessário investir para se poder gerar cash-flow, ou seja disponibilidade de dinheiro. O cash-flow gerado por um projecto, resulta da diferença entre os proveitos operacionais que resultarão da venda de água (e de outros serviços), e os Custos Operacionais necessários para manter com eficácia e eficiência, os necessários trabalhos.
A determinação dos proveitos operacionais, parecendo fácil, não o é. Para o fazer é necessário avaliar qual a evolução da população da área abrangida e qual a evolução da respectiva capitação (o que um habitante consome por dia, em litros). Actualmente, face à regressão demográfica em curso no país, em especial no interior, utilizam-se os dados do INE 2006 para estimar a evolução populacional, e os dados de capitação actuais para, população urbana, predominantemente urbana e população rural.
Enquanto em termos populacionais se estima um enorme retrocesso, em termos da capitação considera-se que, face a já terem sido atingidos elevados padrões de qualidade de vida e à crescente preocupação ambiental, ao interior ela variará entre 130 a 170 litros, por habitante e por dia.
Esta alteração de evolução populacional, causou uma alteração curiosa em engenharia: enquanto até há alguns anos se dimensionava para o chamado “ horizonte do projecto”, ou seja, o último ano para que se previa o seu funcionamento, hoje em dia, o dimensionamento é feito para o primeiro ano de funcionamento, ou seja, o ano de arranque. Esta questão da população e da capitação é muito importante, já que o seu produto é que determina o volume anual a facturar, pelo que um erro pode traduzir-se em investimento sem retorno ou, em défice de investimento face às necessidades.
Os custos operacionais são directamente relacionados com a venda da água e são obtidos de forma linear:
- Energia, reagentes químicos e controle analítico;
- Prestação de serviços sub-contratados;
- Pessoal;
- Amortização do investimento;
- Manutenção;
- Outros custos de estrutura.
Destes há um custo mais significativo: o da amortização (constante ao longo dos anos até atingir o valor do investimento).
Para além destes, o custo do serviço da dívida é altamente penalizador na construção do custo da água. Varia com o período de carência e com a taxa de juro. Poderia diminuir com o aumento do capital social, mas as actuais dificuldades financeiras no Estado e nos Privados não possibilitam essa hipótese.
A tarifa média resultará então do somatório de todos os custos, dividido pelos volumes a facturar ao longo dos anos. A acrescer apenas os dividendos resultantes da rentabilidade pretendida do projecto.
Normalmente são o custo dos investimentos e a respectiva amortização, a principal parcela e “constrangimento” do desenvolvimento de um projecto. Isto acontece porque, como soi dizer-se, “ a água não cai do céu”, e para chegar à torneira dos consumidores, é necessário construir obras com custos muito significativos:
Barragens, estações de tratamento, reservatórios, condutas e redes de distribuição.
De facto é este o problema de arranque, de obtenção do financiamento, que provoca situações de atraso na implementação dos projectos de abastecimento de água, com consequências terríveis, que felizmente estão por ora quase ultrapassadas.
Todos nos recordamos ainda, de não há muitos anos, haver situações limitadoras quer da qualidade de vida quer do desenvolvimento, entretanto resolvidas.
A água tem portanto um valor, valor muito grande, inestimável, que curiosamente ou talvez não, tal como com a saúde, só lho damos quando a não temos.
Tomemos consciência disso.

José António Afonso calmeiro (engº civil)

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